Carla Albuquerque
– Já cheguei, vamos começar?
– Vamos! E do início. Nos conte como você está.
Pode parecer estranho, mas “cheguei” muitas vezes é uma informação meramente física, nos conta “meu corpo está aqui”, e talvez o resto de si chegue já já; enquanto o que nos permite começar de fato é a PRESENÇA da pessoa. Estar por inteiro, conectada com o aqui e agora, desapegada do momento imediatamente anterior, em conexão com as pessoas, o ambiente e o tema a ser tratado, com o que vai acontecer logo a seguir.
Mas quem chega correndo, precisa de uns segundo para respirar; quem está com sono, precisa de um café; quem está preocupado com a rotina da casa, precisa dar algumas orientações no whatsapp antes. Estas pessoas ainda precisam de um tempo para alcançarem a presença física e, provavelmente, TODAS as pessoas precisam de uma ajuda para a PRESENÇA integral. Essa ajuda pode chegar na forma do Check In, chegança, momento de conexão, ou como queira chamar.
Começamos com o já difundido “como você está chegando?”, num diálogo que promove a conexão entre as pessoas, trazendo todas para o aqui e agora, com quem está ali. No início começamos a nos dar conta de que muitas vezes não sabemos como estamos nos sentindo. A pergunta nos pega de surpresa das primeiras vezes e tomamos consciência de que não damos vez para sabermos como estamos. Opa, espaço para autoconhecimento e autocuidado. Primeiro aprendizado alcançado!
Mas será que vamos, a toda reunião ou início de uma jornada, repetir isso? Sim e não. Por um bom tempo teremos que cuidar desse momento, mas não precisa ser desse jeito. Existem muitos jeitos de começar. No início podemos perguntar diretamente como as pessoas estão chegando e ir variando com “o que você traz de si hoje?”, “Qual imagem te representa?” (mostrando uma seleção de imagens ou pedindo para encontrar uma do seu acervo no celular), “nos conte uma boa notícia sua”, “Qual parte do seu corpo está mais ativa?”, “Escolha um objeto que te representa e nos conte por que.”. Podemos também fazer analogias, por exemplo, nos inspirar na previsão do tempo: “Qual o seu clima neste momento?”, e o que mais sua criatividade mandar.
Com a prática as pessoas vão se apropriando deste hábito de auto percepção e logo passam a chegar contando de si, buscando se conectar com “o estar” das outras pessoas e a coisa começa a fluir naturalmente.
Nesse ponto, nossa atenção se volta para dar vez a quem pede por ela. Quem chega contando algo de si, – que dormiu bem, teve insônia ou algo relevante que aconteceu e está quente em si no momento -, já demonstra que está fluindo na proposta de conexão. Mas quem chega num ritmo alterado, uma pessoa esbaforida ou num clima mais quieto que o normal, pode precisar do nosso apoio, da nossa atenção para desapegar do que está carregando e promover sua presença. Ou seja, precisamos dar corda para que conte o que está trazendo e verificar se tem algum pedido, alguma necessidade para estar bem ali com o grupo. CONEXÃO e CUIDADO.
Quando temos uma “chegança” mais orgânica, é também hora de ficarmos atentos à inclusão. As pessoas mais expansivas tendem a tomar conta da fala e as mais quietas a irem dando a vez para as falantes e, sem perceber, começarem a se sentir excluídas. Daí chamar para a conversa é a dica de ouro. E é bem legal aproveitar o que está vivo no grupo (olha outro jeito de começar aqui). Outro dia, numa jornada online, a turma já estava bem ambientada e chegando tagarela. Os dois mais animados já tinham assumido o microfone quando passou a kombi de pamonha na rua de um deles anunciando a venda no autofalante. Foi a “deixa”! Convidamos uma pessoa que ainda não tinha falado a nos contar o que passava na sua rua e convidar outra pessoa para seguir contando da sua rua. Assim, todos nos conectamos a partir das vendas ambulantes de cada local. E como era uma jornada com participantes de todo o Brasil, descobrimos o que era unânime: todo mundo têm a kombi ou o carrinho de mão vendendo ovos na porta da sua casa.
Simples assim! Simples e maravilhoso, embora nem sempre fácil. Precisamos de treino, de disponibilidade para experimentar e persistência para que o aprendizado se consolide pela prática. Convidar o time a se abrir para uma cultura um pouco diferente e sustentá-la a partir da percepção do fluxo possível para o grupo. Abordagens e metodologias colaborativas (tecnologias sociais) tem sido grandes facilitadoras deste começo, trazendo foco com leveza e ludicidade. Na Pedagogia da Cooperação* a premissa “do simples para o complexo” dá o tom e a experiência ganha profundidade num movimento crescente, no ritmo do grupo.
E a evolução disso? É o time assumir a conexão como algo valioso e cuidar dela. Não é mais o momento de chegada ou só na chegada, mas quando se percebe que é preciso convidar a PRESENÇA e quando alguém precisa de uma atenção especial. É quando temos o time se sentido e sendo time. Assumindo a RESPONSABILIDADE pelo CUIDAR horizontalmente.
A essa altura já sabemos que o bom dia, o cafezinho e o papo do encontro não têm nada de “papo furado”: são oportunidades de descobrir o que nos conecta e também de potencializar e fortalecer esta conexão. Conexão que abre espaço para valorizarmos e aproveitarmos as singularidades de cada pessoa, as semelhanças e diferenças entre nós. Como diz Ana Paula Peron, “A conversidade nos cola e a diversidade nos faz crescer.”
*A Pedagogia da Cooperação é a abordagem que âncora as soluções de Design Colaborativo desenvolvidas pelo Projeto Cooperação. Sua aplicação completa flui do simples para o complexo em múltiplos níveis, na ação individual e coletiva, a cada desafio proposto para desenvolver habilidades colaborativas e em dois campos que se integram: no campo relacional da conexão, para o cuidado e a confiança; e no campo de realização, da inquietação para as soluções e projetos; ambos consolidados na celebração do caminhar do grupo.
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Por Carla Albuquerque
Carla Albuquerque é colaboradora do Projeto Cooperação, co-fundadora de Coletivamentes, co-organizadora e co-autora do Livro “Pedagogia da Cooperação, por um mundo onde todas as pessoas possam VenSer”.
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